A responsabilidade solidária em autuações fiscais de ICMS no estado de Mato Grosso

Artigo publicado na 2ª Edição do livro “Processo Administrativo Tributário no Mato Grosso” – Editora Lumen Juris

Coautora: Amanda da Costa Marques[1]

  1. RESUMO DO TEMA

A responsabilidade solidária no Estado de Mato Grosso vem sendo tema de calorosos debates na esfera administrativa e judicial, notadamente, em função de autuações fiscais lavradas pela SEFAZ-MT, as quais consideram como corresponsáveis o vendedor, que é praticante do fato gerador do ICMS e o comprador, adquirente das mercadorias.

Via de regra, nestes casos, a solidariedade vem sendo atribuída sob o fundamento de que, as operações declaradas em notas fiscais não teriam ocorrido, e que, as partes envolvidas teriam simulado compras e vendas internas de produtos do agronegócio no intuito de gerar créditos fictícios de ICMS e assim burlar o recolhimento do ICMS em futuras operações interestaduais.

Grande parte destas autuações não demandam qualquer tributo do vendedor, mas sim, multas por descumprimento de obrigação acessória pela emissão incorreta de documentos fiscais, considerando assim, o adquirente como solidário a esta obrigação pelo fato do mesmo ter “participado” no cometimento do ato ilícito.

O objetivo do presente artigo é opinar, sem intenção de esgotar o tema, sobre a possibilidade de o fisco aplicar a solidariedade nestes casos em específico, considerando tanto as disposições legais estaduais, como principalmente, o Código Tributário Nacional.  

  1. DISPOSIÇÕES DO CTN QUE TRATAM DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

A solidariedade pode ser classificada como natural ou legal, conforme as disposições constantes do art. 124, I e II, do CTN, in verbis:

“Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal;

II – as pessoas expressamente designadas por lei.

Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.”

De pronto, analisando-se o artigo 124, I, do CTN, é possível depreender sem maiores dificuldades que a solidariedade natural resta estabelecida quando se verifica a ocorrência do chamado “interesse comum”, o qual possui status de elemento nuclear para caracterizar-se ou não a responsabilidade.

Certo é que, cabe ao fisco, ao eleger esta hipótese legal, demonstrar e justificar a existência do mesmo, sob pena do ato administrativo praticado ser tido como imotivado e consequentemente, nulo.

Vê-se, portanto, de forma cristalina que a simples condição de participante de um pacto de compra e venda, não traduz condição suficientemente necessária para o enquadramento, nos dizeres do Código Tributário Nacional. É preciso ser evidenciada a conjunção de interesses e não só de qualquer interesse, mas aquele vinculado à situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, no caso, o pagamento do ICMS.

Já o artigo 124, II, do CTN, não traz dúvidas ao estabelecer que a lei também é forma legítima de se instituir a responsabilidade solidária.

Neste ponto, contudo, há de se ressaltar que esta disposição não concedeu autorização legal para que a referida solidariedade seja livre e ilimitadamente constituída pelo legislador ordinário.

Isto porque, o mesmo Código Tributário que estabeleceu a possibilidade da lei introduzir a responsabilidade solidária a terceiros pelo crédito tributário, trouxe também outras duas disposições específicas sobre o tema, as quais, dentro da análise sistemática do Codex, devem ser observadas.

São os artigos 134 e 135 do CTN que dizem:

“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

Assim, pode o legislador ordinário criar normas atinentes à responsabilidade solidária, contudo, não pode o mesmo, avançar sobre o rol das pessoas que podem ser pessoalmente responsáveis pelo crédito tributário, nem mesmo pode dispor de forma diversa ao CTN sobre as circunstâncias autorizadoras da responsabilidade pessoal do terceiro.

Objetivamente, portanto, a primeira conclusão sobre o tema em voga é a de que, ou a responsabilidade solidária nas autuações fiscais estaduais advém do chamado interesse comum, demonstrado e comprovado pelo fisco, ou advém de lei estadual instituída em consonância com o Código Tributário Nacional, em especial, os artigos 134 e 135 acima vistos, sendo que sobre tais hipóteses, exclusivamente, é que a questão precisa ser detidamente analisada.

  1. DA LEGISLAÇÃO ESTADUAL ACERCA DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

O Fisco Estadual, normalmente, vem fundamentado suas autuações relativas à responsabilidade solidária com base no parágrafo 1º, do art. 937, do RICMS/MT, aprovado pelo Decreto 2.212/2014, combinado com o parágrafo único do art. 18-C e art. 37, ambos da Lei Estadual 7.098/98.

Referidos dispositivos estão assim dispostos:

Lei 7.098/98

“Art. 18-C – Responde solidariamente com o sujeito passivo pelas infrações praticadas, em relação às disposições desta lei e demais obrigações contidas na legislação tributária, o profissional de Contabilidade, responsável pela escrituração fiscal e/ou contábil do contribuinte, no que pertine a prestação de informações com omissão ou falsidade.

Parágrafo único Respondem, também, solidariamente com o sujeito passivo pelas infrações praticadas, em relação às disposições desta lei e demais obrigações contidas na legislação tributária, no que se refere à prestação de informações com omissão ou falsidade, o administrador, o advogado, o economista, o correspondente fiscal, o preposto, bem como toda pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da referida obrigação. ”

“Art. 37 Constitui infração tributária toda ação ou omissão voluntária ou involuntária que importe em inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de norma estabelecida nesta lei, no seu regulamento ou em atos complementares.”

RICMS/MT

“Art. 937 Constitui infração tributária toda ação ou omissão voluntária ou involuntária que importe em inobservância, por parte de pessoa física ou jurídica, de normas estabelecidas em leis, neste regulamento, em decretos regulamentares ou em atos complementares que sejam pertinentes ao ICMS ou que façam referência ao aludido tributo ou a ele se apliquem. (cf. art. 37 da Lei n° 7.098/98)

§1° Respondem pela infração, conjunta ou isoladamente, todos os que, de qualquer forma, concorrerem para sua prática ou dela se beneficiarem. (cf. inciso I do caput do art. 124 do CTN)”

De plano percebe-se que o caput do artigo 18-C da Lei 7.098/98 se faz inaplicável a espécie eis que direcionado ao profissional contabilista e não ao adquirente de mercadorias. Deve ser descartado.

Já o parágrafo único do mesmo dispositivo, por sua vez, justificaria a solidariedade acaso não tivesse sido julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 4.845, em 13 de fevereiro de 2020, com ata de julgamento publicada no DOU de 21.02.2020, Seção 1, p. 1, efeitos a partir de 22.10.2009. No referido julgamento, o STF entendeu que o legislador ordinário não observou as limitações dos artigos 134 e 135 do CTN na confecção do referido ato legal, extrapolando sua competência legislativa.

O acertado julgamento do Supremo deu-se com repercussão geral, implicando, na prática, na retirada do ordenamento jurídico desta disposição fundamental aos anseios do fisco.

Por decorrência direta, o parágrafo 1º do artigo 937 do RICMS-MT também não se presta a fundamentar autuações desta natureza. Primeiro, por ser o ato administrativo mera regulamentação da disposição julgada inconstitucional pelo STF. Segundo, pelo fato de que, sendo ato regulamentar não tem força de “lei”, formalidade esta exigida pelo artigo 124, II, do CTN. Por fim, pelo fato de que, incorre nos mesmos vícios legais de formação do parágrafo único do artigo 18-C da Lei 7.098/98, ou seja, foi editado em extrapolação aos artigos 134 e 135 do CTN.

Há ainda, o artigo 37 da Lei 7.098/03, mas este, como facilmente se percebe, nada diz sobre o tema solidariedade.  

Analisando-se este panorama, não há como se olvidar de uma segunda conclusão, qual seja, a de que a responsabilidade solidária fulcrada no artigo 124, II, do CTN, ao menos no que tange a este tipo de autuação fiscal, não pode ser aplicada por completa ausência de disposição legal estadual aplicável.

  1. ARTIGO 124, I, DO CTN – INTERESSE COMUM

Considerando a conclusão traçada acima, restaria ao fisco estadual uma única possibilidade: demonstrar concretamente que a responsabilização solidária na situação se dá por meio do “interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”, conforme dicção do artigo 124, I, do CTN.

E este ponto é deveras complexo posto que reside sobre tal conceito enorme subjetividade eis que Código Tributário Nacional em tempo algum logrou definir o que vem a ser “interesse comum”, que é justamente o requisito central da tipificação e da imputação de responsabilidade solidária.

Por tal razão, obviamente, coube à doutrina e à jurisprudência construírem esse relevantíssimo conceito.

Sob a ótica doutrinária, há certo consenso a respeito do significado da expressão. Sintetizando a opinião geral, Marcos Vinicius Neder[2] explica que o interesse comum qualificado pelo artigo 124, I, do CTN pode ser caracterizado pela existência de “direitos e deveres comuns entre pessoas situadas do mesmo lado de uma relação jurídica privada que constitua o fato jurídico tributário”.

A luz da doutrina ainda, genericamente considerada, extrai-se que caracterização do interesse comum pressupõe a reunião de duas circunstâncias cumulativas, quais sejam: (i) os corresponsáveis devem estar ligados entre si, ocupando o mesmo polo de uma mesma relação e compartilhando direitos e deveres; e (ii) a relação que une os responsáveis solidários deve materializar o fato gerador da obrigação tributária objeto da responsabilização solidária.

Neste ponto, cabe observar, que a comunhão de interesses referida pelo art. 124, I, do CTN demanda que os responsáveis solidários figurem em uma “posição comum”[3], ou seja, que estejam no mesmo lado da relação jurídica materializadora do fato gerador da obrigação tributária e, por isso mesmo, compartilhando os mesmos direitos e deveres perante terceiros.

Tal prerrogativa, de pronto, excluiria a possibilidade de adquirentes de mercadorias serem responsabilizados conjuntamente com vendedores posto que, não praticam conjuntamente o fato gerador e mais que isso, possuem interesses contrapostos na relação jurídica.

Ademais, há de se ter certo que aos adquirentes, normalmente, a legislação tipifica penalidades específicas para o caso de operações inexistentes, como por exemplo, a glosa de créditos de ICMS e/ou ainda, multas por descumprimento de obrigações acessórias, como aquelas voltadas para a escrituração não condizente com a operação pratica.

Vale dizer, nem mesmo sob a ótica das penalizações, pode-se dizer que existem interesses comuns ou situações que coloquem em identidade polos completamente antagônicos ao fato gerador e à própria operação praticada.

Faz-se necessário diferenciar também o interesse comum, apto a ensejar responsabilidade solidária prevista no art. 124, I, do CTN daquele meramente coincidente, que se caracteriza quando as partes, embora coincidam em algum ou alguns aspectos de uma determinada relação jurídica, não compartilham dos mesmos direitos e obrigações, porque encontram-se em polos contrários dessa relação.

Outrossim, o interesse comum referido pelo art. 124, I, do CTN “deve ser interpretado no seu sentido técnico jurídico”, pois, como anota Ramon Tomazela Santos[4], o interesse qualificado por esse dispositivo tem um objeto claramente definido pelo legislador: a situação materializadora do fato gerador da obrigação tributária.

Assim, não basta a existência de qualquer tipo de interesse comum por parte dos responsáveis tributários; é preciso que, para além disso, essa comunhão de interesses tenha por objeto a própria obrigação tributária objeto da responsabilização, que no caso é o pagamento do ICMS.

Já sob o ponto de vista jurisprudencial, vemos que o Superior Tribunal de Justiça não se omitiu ao tema. Pelo contrário, guardando sintonia com a doutrina existente, sustentou que o “interesse comum” ocorre quando se realiza conjuntamente com o outro a situação que constitui o fato gerador do tributo, conforme exemplificam os julgados abaixo:

“CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA.

CORRESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO. APURAÇÃO SOB O REGIME DE GARANTIA SUBJETIVA DO CONTRIBUINTE. DECLARAÇÃO CONJUNTA DO MARIDO E DA MULHER. IRRELEVÂNCIA, PARA O EFEITO DE TORNÁ-LOS CORRESPONSÁVEIS. SOMENTE A LEI TRIBUTÁRIA PODE INSTITUIR A OBRIGAÇÃO DE PAGAR TRIBUTOS E ESTABELECER OS RESPECTIVOS FATOS GERADORES, BEM COMO OS DEMAIS ELEMENTOS. PERMANÊNCIA DO DEVER JURÍDICO DE CADA UM DOS CÔNJUGES. INTELIGÊNCIA DO ART. 124, I DO CTN. (…)

1. Ao regular a solidariedade tributária, o art. 124 do CTN estabelece que o contribuinte e o terceiro são obrigados ao respectivo pagamento do tributo quando há interesse comum entre eles, ou seja, quando um deles realiza conjuntamente com o outro a situação que constitui o fato gerador do tributo (inciso I), ou por expressa disposição de lei (inciso II). Esse dispositivo legal dá efetividade ao comando do art. 146, I da Carta Magna, segundo o qual somente a Lei Complementar, nesta hipótese, o CTN, tem a potestade de instituir, alterar ou modificar qualquer elemento componente da obrigação tributária. Isso quer dizer que qualquer regra jurídica que não detenha hierarquia complementar não tem a força de alterar esse quadro.

2. Somente se estabelece o nexo entre os devedores da prestação tributária originária, quando todos os partícipes contribuem para a realização de uma situação que constitui fato gerador da exação, ou seja, que a hajam praticado conjuntamente. Esta é a melhor inteligência do art. 124, I do CTN, pois, se assim não for, poderá a solidariedade tributária ser identificada em qualquer relação jurídica contratual, por exemplo, o que conduziria à inaceitável conclusão de universalidade da corresponsabilidade tributária.

(…)

5. O interesse comum, como requisito da corresponsabilidade tributária, envolve, necessariamente, a atuação de mais de uma pessoa na situação de conformação do fato gerador do tributo. Não se trata, portanto, da ulterior fruição comum ou igualitária por mais de uma pessoa dos resultados ou dos proveitos da atividade produtora do aumento de renda dela decorrente. Trata-se, na verdade, de atuação simultânea e conjunta de mais de uma pessoa na anterior situação configuradora do próprio fato gerador. Se assim não fosse, qualquer indivíduo, que auferisse alguma benesse do percebente da renda, poderia ser designado corresponsável tributário.

(…)

(REsp 1273396/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 12/12/2019)

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. ALEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO, PARA COMPELIR TERCEIROS A RESPONDER POR DÍVIDA FISCAL DA EXECUTADA. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA PESSOA JURÍDICA DIVERSA DO DEVEDOR, FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. O ACÓRDÃO RECORRIDO ESTÁ RESPALDADO NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ DE QUE A EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA A SOLIDARIEDADE PASSIVA NA EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A respeito da definição da responsabilidade entre as empresas que formam o mesmo grupo econômico, de modo a uma delas responder pela dívida de outra, a doutrina tributária orienta que esse fato (o grupo econômico) por si só, não basta para caracterizar a responsabilidade solidária prevista no art. 124 do CTN, exigindo-se, como elemento essencial e indispensável, que haja a induvidosa participação de mais de uma empresa na conformação do fato gerador, sem o que se estaria implantando a solidariedade automática, imediata e geral; contudo, segundo as lições dos doutrinadores, sempre se requer que estejam atendidos ou satisfeitos os requisitos dos arts. 124 e 128 do CTN. (…)

3. Fundando-se nessas mesmas premissas, o STJ repele a responsabilização de sociedades do mesmo grupo econômico com base apenas no suposto interesse comum previsto no art. 124, I do CTN, exigindo que a atuação empresarial se efetive na produção do fato gerador que serve de suporte à obrigação. Nesse sentido, cita-se o REsp. 859.616/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 15.10.2007. 4. Assim, para fins de responsabilidade solidária, não basta o interesse econômico entre as empresas, mas, sim, que todas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador. Precedentes: AgRg no AREsp. 603.177/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 27.3.2015; AgRg no REsp. 1.433.631/PE, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 13.3.2015. (…).”

(AgInt no AREsp 1035029/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 30/05/2019)

Certo é que, ao falarmos de autuações fiscais, cabe ao fisco o ônus da prova de demonstrar e qualificar de forma clara e contundente o “interesse comum” e mais que isso, a realização conjunta configuradora do fato gerador, correlacionando os fatos e assim fixando um nexo causal autorizativo da responsabilização solidária.

Tal dever legal decorre da fundamental motivação que norteia os atos administrativos.

Essa exposição dos motivos, essencialíssima, inclusive, para resguardar o direito ao contraditório e ampla defesa, deve consistir na indicação do texto de lei que autoriza a edição do ato, bem como do pressuposto de fato (detalhado e comprovado) que permite a sua prática.

Não raro, é possível vislumbrar situações onde a descrição da infração é parca e insuficiente a justificar a ocorrência do interesse comum e não raro, vemos também o próprio fisco estadual buscando sanar tais vícios em momentos posteriores à sua autuação fiscal, no curso de processos administrativos ou judiciais. Contudo, tal procedimento não é válido pois o auto de infração, como ato constitutivo do crédito tributário que é, deve bastar-se em si mesmo sob pena de afronta, inclusive, ao artigo 142 do CTN e outros.

Nas palavras do ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello[5], a motivação:

“(…) integra a “formalização” do ato, sendo um requisito formalístico dele. É a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito  habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes,  obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos  ocorridos e o ato praticado. Não basta, pois, em uma imensa variedade de hipóteses,  apenas aludir ao dispositivo legal que o agente tomou com base para editar o ato. Na motivação transparece a quilo que o agente apresenta como “causa” do ato  administrativo (…)”

No âmbito estadual, a Lei n.º 7.692/2012, que regula o processo administrativo, dispõe sobre a obrigatoriedade do ato administrativo ser motivado de forma cristalina. Vejamos os artigos 4º, 25º, V, e 64º da referida Lei:

“Art. 4º A Administração Pública Estadual obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, efetividade, eficiência, eficácia, motivação, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório e segurança jurídica.”

“Art. 25 São inválidos os atos administrativos que desatendam os princípios da Administração Pública Estadual e os pressupostos legais e regulamentares de sua edição, especialmente nos casos de:

(…)

V – falta ou insuficiência de motivação;”

“Art. 64 A motivação indicará as razões que justifiquem a edição do ato, especialmente a regra de competência, os fundamentos de fato e de direito e a finalidade objetivada.

§ 1° A motivação do ato no procedimento administrativo poderá consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas ou decisões, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 2° Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§3° A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.”

Outrossim, a Lei Estadual n.º 8.797/2008, que regula o Processo Administrativo Tributário no âmbito do Estado de Mato Grosso, prevê:

“Art. 2º O PAT obedecerá, entre outros requisitos de validade, aos princípios da legalidade, finalidade, impessoalidade, motivação, moralidade, interesse público, publicidade, informalidade, economia e celeridade, assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes, respeitadas as disposições do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966).”

Portanto, inevitável concluir que o interesse comum deve ser demonstrado, justificado e provado nas autuações fiscais desta natureza, além do que, deve, sem sobra de dúvida, ser amoldado ao seu conceito doutrinário e jurisprudencial para que possa surtir efeitos práticos, e assim, autorizar a responsabilização solidária pretendida.

  1. CONCLUSÃO

De todo o exposto, conclui-se, que a responsabilidade tributária solidária nas autuações fiscais, nos termos do inciso I do artigo 124 do CTN decorre do chamado interesse comum da pessoa vinculada ao ato originário do fato gerador, objetivamente demonstrado e comprovado pelo agende fiscalizador; ou, nos termos do inciso II do artigo 124 do CTN decorre de lei estadual instituída em consonância com o Código Tributário Nacional, especialmente, com os artigos 134 e 135 acima vistos.

Vê-se que no âmbito estadual, a segunda hipótese de responsabilização se faz inaplicável na prática eis que não há disposição legal estadual vigente que possa imputar a solidariedade ao adquirente de mercadorias, ou seja, aquele que não praticou o fato gerador do ICMS. Como visto, o único dispositivo que a justificaria tal possibilidade foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 4.845, em 13 de fevereiro de 2020.

Por exclusão lógica, caberia ao fisco estadual, nestes casos, o ônus da prova de demonstrar e qualificar de forma clara e contundente o “interesse comum”, correlacionando os fatos e assim fixando um nexo causal autorizativo da responsabilização solidária.

Não há dúvidas que a responsabilização por “interesse comum” demanda evidências concretas do benefício efetivo do adquirente na operação questionada, recomendando-se prudência ao fisco posto que em muitas ocasiões o comprador sequer escriturou créditos do imposto por estar enquadrado no regime do diferimento ou outro incentivo fiscal para o qual a legislação demande a renúncia dos créditos. Nestes casos, não há como sustentar-se a ocorrência do interesse econômico, nem mesmo o interesse jurídico.

Enfim, vê-se que a questão posta traz inúmeras análises jurídicas que devem ser feitas pormenorizadamente, caso a caso. Sem dúvidas o tema é amplo e complexo, cabendo ao Poder Judiciário de nosso Estado apreciar tais pontos (e outros) detidamente.

Anota-se que o Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso, em algumas ocasiões já teve a oportunidade de apreciar a matéria, às vezes concordando com os argumentos acima, outras vezes não, contudo ainda há muito a evoluir. Isso quer dizer que a jurisprudência ainda está sendo formada a nível estadual, cabendo a todos os operadores do Direito, assim como próprio fisco, apresentar seus respectivos entendimentos, tudo em pró de decisões que venham atender tanto as disposições legais, como constitucionais. 

Esta é a beleza do Direito e do debate democrático.

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[1] Advogada atuante desde 2012; Especialista em Direito Tributário e Empresarial pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT; Pós-Graduada em Direito do Agronegócio pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso; Membro do Conselho de Contribuintes da Secretaria de Estado de Fazenda – SEFAZ-MT; Sócia da Costa Marques e Anacleto Associados.

[2] NEDER, Marcos Vinicius. Solidariedade de direito e de fato: reflexões acerca do seu conceito. In: FERRAGUT, Maria Rita; NEDER, Marcos Vinicius (coords.). Responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2007. p. 42.

[3] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 300.

[4] SANTOS, Ramon Tomazela. Responsabilidade tributária de grupos econômicos. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 238, p. 105-125, jul. 2015. p. 108.

[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 380.